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Vista o padrão ou saia do armário, de Matheus Viana

o que não escolhi, mas me escolheu, é o que, ao fim e ao cabo, mais eu sou. Não é o eu que eu me quis. Mas sou eu.

Paulo Henriques Britto


O padrão social nunca precisou sair do armário, e é na escuridão desse, que ele tenta, a todo custo, nos impor os preestabelecidos moldes engomados e pendurados que há dentro, quer nos caibam ou não. Passamos grande parte do tempo tentando nos encaixar nesses moldes, acreditando que logo vão nos caber perfeitamente. Contudo, aqueles moldes vão parecendo gradativamente incorretos ao ponto de mesmo trajando-os, permanecermos nus. A verdade trata de nos despir.


Consumindo-nos, aos poucos o armário, empanzinado, encontra dificuldades em manter suas portas fechadas: pela fresta, uma luz adentra acariciando nossa pele, não parecendo se importar com nossos tão desproporcionais moldes. O convite é feito, mas preferimos não ceder, pois apesar de nos sentirmos desencaixados, e por vezes desamparados, há certa segurança naquela escuridão aterradora: também somos constantemente lembrados de que, dentro ou fora, sempre estaremos à margem. O preço de sermos livres nos parece igualmente alto.


Não tarda e o espaço ali se estreita de modo a ser insuportável permanecer nele. Em meio ao negrume denso, o armário transfigura-se ventre. Ceder à luz é agora inevitável e desse turbilhão catalisa-se um parto forçado, um desabrochar não solicitado, ainda que necessário. As portas são escancaradas. Por um momento a claridade nos invade os olhos, para logo então percebermos nossa eminente nudez, que nunca pareceu tão reconfortantemente correta.


Do lado de fora, a luz nos acolhe, íntima, e o sentimento de que podemos ser genuínos, conosco e com os nossos, aflora. Ainda assim, o armário é sarjeta à nossa diversidade. De dentro, ainda há julgamento por escolhermos nos despir e trazer à tona a verdade nua, ao deixarmos de nos entregar à vida clandestina de vestirmos moldes que não nos cabem na esperança de nos encaixarmos em lugares ao qual não pertencemos.


No fim, todos nós pagamos o preço de armários fechados, pagamos com o que não podemos ter e com o que temos de deixar. Uma cicatriz é o que resta, profunda e difícil de esconder, como lembrete dos sacrifícios que foram feitos, mas também das dores superadas e das possibilidades vindouras. Ainda não é o fim, e a verdade que nos enudece é a mesma que nunca permitirá que voltemos para o armário. Este permanece vazio, como deve ser.


 

Matheus Viana tem 26 anos, reside na região metropolitana de Belo Horizonte, é discente do bacharelado em Letras com especialização em Edição à UFMG e atua como estagiário em Redação. Além da escrita, Matheus também se expressa por meio do projeto de fotografia por dispositivos móveis que idealizou no Instagram, o @prismattco.

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