Mais um sobre plantas, Felipe Hensil
Três ou quatro dias após plantá-los vi crescerem os pezinhos de alface. Dois. Bonitinhos, mas frágeis. Zelei por eles desde o início, quando eram apenas presságios de salada. Aceitei esse destino de cuidador de plantas porque dá gosto ver a coisa crescer, romper a semente, a casca, a terra. “Eu que fiz”, pensei com meio sorriso para ninguém, de borrifador em punho, como ameaça às pragas que rondam.
Dias depois eram quatro. A dupla de nascimento tardio alcançou a outra em tamanho, e o espaço destinado às plantinhas pareceu de alguma forma pequeno demais. É melhor aguardar. Vem aguaceiro por aí.
Dito e feito, e a água desceu com força. Choveu durante dias. Choveu durante semanas. Choveu até que eu cansei da chuva e decidi que seria dia de sol.
Não se via quase nada além de mato. A bicicleta encostada há tempos era agora abraçada por galhos que firmavam ainda mais sua inércia. As paredes eram agora verdes e vivas. A casa inteira foi transformada numa selva densa, estrangulada pelas plantas que cresceram e tomaram conta do lugar. Como algo tão imenso surgiu de algo tão pequeno? Tudo isso vinha do pequeno vaso em que eu havia plantado os pezinhos de alface. Mas estes eram inocentes. Ao lado deles, que eram mínimos, alfacinhazinhadinhados em seus cantos, nasciam duas monstruosidades.
Pois bem: arranquei tudo aquilo, as falsas alfaces, e limpei o terreiro, de modo que no fim só restavam nós três, os pezinhos e eu. Era um vasinho de promessas. Contudo, veja bem, digo isto sem hipérbole de brotação: pisquei uma vez e tornaram-se quatro mudas, duas indesejadas. Pisquei novamente e surgiram duas mais. Na terceira, certamente por causa da demora na piscada, surgiram outras quatro. Tempos depois, finalmente entendendo o problema, arranquei as malditas com olhos propositalmente arregalados, uma a uma.
Não adiantou. Na ânsia de acabar com a praga ainda acabei arrancando as alfacezinhas por engano. Perplexo com o erro, me descuidei e fiz brotar centenas de indesejáveis, que cresciam, cresciam, cresciam. Lá vem… e chorei ali mesmo, sem parar, com olhos finalmente lubrificados. Quanto mais eu chorava, mais as plantas se minoravam, como que por pena, até se tornarem um único broto.
Isso já faz um tempo. Em outro vaso, hoje, já crescem os pés de alface, com espaço amplo de desenvolvimento. A indesejável continua lá, e outro dia descobri se tratar de um tomateiro. Se acordo em selva, sento-me ao seu lado e choro, até que a planta caiba confortavelmente em seu vaso, e colho seus frutos, ácidos, mas igualmente doces.
Felipe Hensil é revisor de textos, contista e estudante de Letras. Gosta de anotar palavras em caderninhos e de encontrar aquilo que não estava procurando. Perde com frequência os caderninhos onde anota suas palavras. Escreve no Medium: @felipehensil